27.07.2016

Raul Anselmo Randon

Caxias do Sul (RS) 14/12/2014

Ele poderia ser famoso já como o primeiro a produzir no Brasil um parmigiano reggiano digno das formas maravilhosas enfileiradas nos bancos-galpões da região da Emilia na Itália, ou também como o artífice do melhor vinho da Serra Gaúcha, “Rar” de nome e de raridade, se ele não fosse um dos maiores construtores de carrocerias de caminhões do mundo, com 11 fábricas espalhadas pelos quatro cantos da terra, e com um faturamento espantoso. Raul Anselmo Randon nasceu na minúscula vila de Tangará, nas montanhas de Santa Catarina, no dia 6 agosto de 1929. Esta é sua epopeia!

Cristoforo, o avô dele, havia chegado no Brasil em 22 de novembro de 1888, aos 21 anos, vindo de Cornedo Vicentino, no alto vale do rio Agno, naquele Vêneto de onde, em 1875, começaram a emigrar os primeiros colonos que iriam povoar a região de Caxias no Rio Grande do Sul. Cristoforo era um rapaz instruído e como primeiro trabalho ajudou a família Frejó a medir as terras que possuía no entorno de Bento Gonçalves. Comprou para si uns cinquenta hectares para cultivar trigo, milho e uva. Mas a sua característica exclusiva, como figura líder da zona, era aquela de ser um orientador e, por assim dizer, um juiz de paz das famílias de imigrantes vindos da península. A respeito de todos os problemas que poderiam acontecer a um colono, recém-chegado naquelas colinas, ele sabia encontrar uma solução ou uma conciliação. Se um casal brigava, os vizinhos os mandavam falar com Cristoforo, que dava as recomendações corretas e os intimava a voltar na semana seguinte: era o prazo certo para que fizessem as pazes. E ele entendia bastante de briguinhas familiares: de fato, ele tinha 18 filhos!

“Conheci muito pouco o meu avô – admite Raul, em seu prestigioso escritório de Caxias do Sul – Era uma figuraça! Soube detalhes de sua vida principalmente através de meu pai Abramo e pelos tios. Meu pai não ficou com os outros irmãos em Caxias, onde tinha começado a trabalhar como ferreiro de implementos para a agricultura, mas aos vinte anos partiu para Tangará, uma vila de oito casas, todas habitadas por caboclos, nos campos de Santa Catarina, no caminho para Lavras. No primeiro ano sua única diversão era receber as cartas da namorada que tinha deixado em Caxias. Mas um dia recebeu uma carta de uma de suas amigas que dizia assim: venha buscar Elisabetta porque depois será tarde demais, porque tem muitos pretendentes que a cortejam. Meu pai se precipitou a casar com ela e a levá-la a Tangara’, que naquele tempo se chamava Rio Bonito: era o ano 1923”.

Elisabetta Zanotto era uma italiana, uma mulher religiosa, muito enérgica e decidida. Nunca gostou daquele grupo de casas perdidas no meio dos bosques de araucária. Ela já tinha quatro filhos “catarinenses”, Hercílio chamado Nino, Isolda, Raul (eu) e Zilá, mas em 1937 ela voltou pela primeira vez a Caxias para visitar os parentes. Voltando de novo para casa insistiu muito com Abramo para que voltassem na capital da Serra Gaúcha: tinha se inteirado que a cidade estava evoluindo muito com a chegada do trem e da BR-116. “Eu tinha 9 anos quando voltamos definitivamente a Caxias, com minha mãe grávida da quinta filha, Beatriz. Meu pai alugou um pequeno galpão de propriedade de Bortolo Triquet, um italiano que tinha uma fundição. Aos 14 anos comecei a trabalhar com ele, fazendo garfos, chaves, foices, enxadas,… Eu não gostava de estudar: parei no terceiro ano do primário. Aos 18 anos me alistei por um ano no exército. Quando voltei, em 1949, meu irmão Hercílio, que tinha ido aprender o ofício de mecânico, me levou com ele em uma parte da oficina paterna. Fazíamos de tudo, das reformas dos motores às prensas”.

“Mas em 26 de maio de 1951 – prossegue – aconteceu uma coisa que revolucionou a nossa vida. Era a festa da Madonna de Caravaggio, a maior festividade do Rio Grande do Sul, com a grande procissão de Caxias e de Farroupilha, em que todos nós participávamos. Já era noite quando padre Giovanni Giordani disse agitado nos microfones do Santuário que nossa oficina estava em chamas. Nós nos precipitamos no bairro de San Pellegrino, mas da oficina não tinha ficado nada: tudo queimado, o telhado, os primeiros produtos que tínhamos feito, tudo destruído … mas aquele incêndio foi salutar para nós, para mudar completamente nossos negócios. Sempre digo o seguinte: agradeço a Madonna de Caravaggio porque ela fez um milagre com aquelas chamas. Nos deu o impulso para melhorar. De outra forma provavelmente teríamos ficado naquela pequena oficina pelo resto da vida. Ainda hoje sou muito devoto a Nossa Senhora de Caravaggio!”.

A fábrica de tecidos de Matteo Gianella cedeu aos Randon, para ajuda-los, a sua oficina para a manutenção dos teares. E começaram a trabalhar nos freios. Os caminhões, que traziam de Caxias a madeira que seria exportada pelos navios partindo de Porto Alegre, não conseguiam enfrentar a descida da Serra e muitas vezes capotavam com graves consequências para os pobres motoristas. Os dois irmãos criaram um freio reforçado a ser montado no reboque. Era uma invenção de um italiano, Antonio Primo Fontebasso, com o qual fizeram sociedade em 1953. “Meu irmão Nino tinha uma inteligência enorme. Bastava que alguém lhe apresentasse alguma coisa que ele fotografava tudo na sua memória. Tinha uma enorme capacidade de inovação. Começamos melhorando aquele freio. Três anos depois o italiano adoeceu e quis sair da sociedade. Continuamos evoluindo sozinhos, no começo fazendo o terceiro eixo do caminhão, e depois elaborando uma coisa impensável naqueles anos, ou seja, o semirreboque de dois eixos. Construímos, com tijolos comprados a prestações, uma fabriqueta de 10 x 20 metros. Foi daí que começou a escalada da marca Randon”.

Em 1964, com o golpe dos militares foi imposta a “Lei da balança” que impunha limites de carga para os caminhões: 10 toneladas para o eixo posterior com quatro pneumáticos, e 6 toneladas para o eixo anterior. Mas o semirreboque tinha uma restrição não inferior a 27 toneladas! Abria-se para a Randon a possibilidade de um business enorme. O Banco Mundial tinha afirmado que, se os transportes não mudavam no Brasil, não financiaria novas estradas. Os irmãos Randon estavam indo na direção certa. “Em 1970 visitei pela primeira vez a Itália com um meu amigo que tinha vindo ao Brasil após a guerra, Edmondo Barbieri. Fomos à Feira de Milão, que me deixou literalmente em choque, e logo depois visitamos a exposição de Hannover, na Alemanha, inteiramente dedicada aos caminhões. Percebi naquelas feiras as imensas possibilidades que tínhamos no Brasil com os semirreboques. Voltei a Caxias eufórico e proclamei a meu irmão que deveríamos construir uma fábrica para 1000 unidades mensais. Nino me perguntou se eu tinha enlouquecido: em um ano tínhamos fabricado apenas 700 semirreboques. Quinze anos depois a nossa fábrica construía aqueles 1000 semirreboques por mês. Hoje fazemos 120 unidades por dia. Eu tinha acertado!”.

Com fábricas no Brasil, Argentina, Chile, Estados Unidos, China e África, atualmente a Randon é uma das primeiras holdings de caminhão do planeta. Mas Raul Anselmo desde 2009 entregou ao filho David a direção de empresa. Para gozar um merecido repouso? Para viver dias calmos de aposentado de ouro? Para curtir os netinhos? Nada disso! Raul transformou sua terras em Vacaria, nas montanhas mais altas do Rio Grande do Sul, do lugar de quinto produtor brasileiro de maçãs na sede de uma miríade de produtos excelentes da eno-gastronomia do Brasil, desde o queijo grana ao vinho tinto, do óleo extra virgem de oliva aos espumantes. “Quando casei com dona Nilva, no dia 3 de março de 1956 que era um sábado, tivemos uma lua de mel que durou somente até a segunda-feira seguinte. Tinha muito trabalho com meu irmão. Em 2006, para as bodas de ouro, mandei fazer especialmente para ela na empresa vinícola Miolo um vinho tinto excepcional, com a uva proveniente de minha fazenda a 1200 metros de altitude. Nasceu assim o “Rar”, as iniciais de Raul Anselmo Randon, um vinho que já recebeu muitos prêmios nos concursos de que participou, do Mercosul aos Estados Unidos”.

Mas a coisa mais original e divertida foi a fabricação do “Gran Formaggio”, um queijo grana idêntico àquele produzido na Itália, para o qual Raul encomendou dois Boeing carregados com vaquinhas holandesas que produzem 35 litros de leite por dia. Reza a lenda que também os pastos, enrolados, tenham vindo de Parma e Reggio Emilia por navio, e que tenham vindo a Vacaria muitos técnicos italianos do parmigiano reggiano, e que… A realidade é que as formas de queijo criadas no Brasil por Randon não ficam atrás das produzidas naquela zona emiliana, a pouco mais de 100 quilômetros de Cornedo Vicentino, onde tudo começou em 1867, na igreja de Muzzolon no batizado de “nonno” Cristoforo. Raul foi homenageado em 2013 com as chaves da cidade vêneta. “Ninguém na história desta cidadezinha de 11 mil habitantes foi acolhido com tantas honrarias como Raul Alselmo Randon” são as palavras do prefeito Martino Montagna. “Nunca vi tanta gente na igreja como no dia em que Randon veio nos visitar: nem mesmo no Natal’’, afirmou o pároco, dom Federico.

“Seu Raul” merece. Com quase 87 anos de idade acorda sempre às 6 horas da manhã, come uma maçã de sua fazenda como café da manhã, nada 500 metros três vezes por semana e faz massagens tailandesas para ficar em forma. Não para nunca! O mundo reconhece e aplaude aquela pessoa simples, com seu chapéu das tropas ”alpinas” italianas e seu sorriso doce, que foi muito além do sonho dos seus avôs de “Fazer a Mérica”!